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Domingo, 31 de Maio de 2015
Entrevista com Barbara Barbosa Neves, socióloga e investigadora do laboratório Technologies for Aging Gracefully, da Universidade de Toronto.

Barbara B. Neves.png

 

É socióloga e investigadora do laboratório Technologies for Aging Gracefully, da Universidade de Toronto.

Com estudos publicados sobre a relação entre a tecnologia e a população idosa, tanto do Canadá como de Portugal, alerta para a ilusão actual do domínio da tecnologia e para a necessidade de se pensar que o envelhecimento começa já.

A geração entre os 30 e os 40 está habituada à tecnologia e a uma certa rapidez na sua evolução. Isso vai fazer diferença quando esta geração chegar à velhice, está mais preparada que a anterior?

Não faço futurologia, mas tenho algumas ideias de desconstrução do futuro, no sentido em que  acho que nos iludimos com esta noção de que a nossa geração está muito à-vontade com as novas tecnologias e que portanto não vamos ter dificuldade nenhuma. A tecnologia está constantemente a mudar, a tecnologia de hoje não é a de amanhã. Muitos dos problemas que vejo nas pessoas que estudo – idosos com 80 ou mais anos de idade –, como a adopção de novas tecnologias são problemas que nós também vamos enfrentar.

O facto de a tecnologia não estar desenvolvida para eles. Os jovens continuam a ser o target das empresas tecnológicas. Nós usamos tablets, iPads nos nossos estudos e alguns dos participantes, como os que sofrem de Parkinson ou sobreviveram a um AVC, só têm o uso de uma mão, e portanto nem sequer conseguem levantar o iPad. Não interessa estarmos a desenvolver uma app ou um software acessível para esta população, que tenha ícones suficientemente grandes para se verem bem ou funcionalidades tácteis acessíveis, se depois o aparelho onde estão não está adequado a limitações motoras.

Essa realidade tende a mudar?

Ainda não se está a produzir muito, mas acho que os próximos cinco anos vão ser fundamentais para essa mudança. As projecções das Nações Unidas mostram que pela primeira vez em 2047 vamos ter, a nível global, mais pessoas idosas que crianças. Vai haver provavelmente alguma mudança na indústria tecnológica nos próximos cinco, dez anos, mas ainda não há a consciência da necessidade de se desenvolver tecnologias que possam apoiar um envelhecimento activo. No nosso laboratório, quando nos perguntam se desenvolvemos tecnologias para pessoas idosas, nós dizemos: “Não, nós desenvolvemos tecnologias para o nosso futuro eu.” O laboratório chama-se Technologies for Aging Gracefully Lab (Laboratório de Tecnologia para Um Envelhecimento Gracioso). Estamos todos a envelhecer e todos vamos perder mobilidade, quase todos quando passarmos dos 80 anos vamos ter algum tipo de problemas motores e possivelmente neurodegenerativos. Por isso não sei se vamos estar mais habituados ou não. Até porque a tecnologia é um processo social.

Social como?

Chamamos-lhe um sistema sociotécnico, porque a tecnologia é concebida, definida e construída na sociedade. Nas aulas dou como exemplo o teclado do computador. As primeiras letras são “Qwerty”. A ideia que se pode ter é que foi desenvolvido para optimizar a escrita, mas não foi_– foi para a abrandar. Quando este teclado foi desenvolvido havia um outro, ergonómico e pensado para a optimizar, só que as máquinas empencavam quando as dactilógrafas escreviam muito depressa. A sociedade tem impacto no desenvolvimento, na evolução, na adopção ou na rejeição de tecnologias, não é só a tecnologia que afecta a sociedade. Acho que as empresas tecnológicas vão começar a perceber esta mudança, mas não sei se alguma vez vamos conseguir trabalhar para o nosso futuro idoso_– a tecnologia evolui a uma velocidade estonteante. Na semana passada estávamos a ver umas novas coisas que vieram do MIT, de inteligência artificial, quase do domínio da ficção científica.

Mas o facto de a geração activa ter essa cultura de mudança não facilita a adaptação no futuro?

Não sei. Quando se vêem os estudos que referem o conceito de “nativos digitais” – pessoas que nasceram com a internet, conceito que detesto por ser simplista e redutor –, essas pessoas usam frequentemente novas tecnologias e têm alguma literacia digital mas não têm literacia crítica. Ou seja, se calhar podemos ter uma mentalidade mais aberta a esta mudança constante, mas não sei se vamos conseguir adaptar-nos a essa mudança de forma tão rápida como esperamos. Até porque, como envelhecemos, passamos pelos tais problemas que podem limitar a utilização de novas, novas, novas tecnologias.

Terá de haver um equilíbrio...

A tecnologia é parte da sociedade, como dizia. Acho que vivemos uma época de contradições muito grandes, porque, por um lado, os níveis de esperança média de vida são sinais de progresso, do século xviii até 2012 passámos de uma esperança média de vida de 30 anos para uma esperança média de vida de 70. Isto é um progresso societário enorme. Mas depois, ao mesmo tempo, olhamos sempre para o envelhecimento como um custo: o custo dos idosos, para a segurança social, para os sistemas de saúde, etc. Como sociedade, e esta inclui a tecnologia, temos de nos saber adaptar não só a uma população envelhecida, mas a uma população que vai perder crianças e jovens, sem desvalorizar e paternalizar os idosos, que também trazem vários benefícios sociais. Há um estudo feito na Austrália, onde se calculou o tempo não pago que as pessoas idosas dão de apoio à família, às comunidades, em termos de ajuda financeira, emocional, prática, etc. Conclui-se que tudo isso representava uma proporção significativa do PIB do país. Raramente se fala disso. A crise financeira em Portugal também tem mostrado a importância desse apoio dos mais velhos às famílias e às comunidades.

Como perspectiva ou gostaria que fosse a sua velhice?

Perspectivo um envelhecimento activo, que me permita continuar a ser independente e a participar de forma crítica na comunidade. Espero que seja uma fase de bem-estar, criatividade e retribuição. O director do meu laboratório tem 72 anos e é uma excelente fonte de inspiração: vem de bicicleta para a universidade, tem uma energia invejável, continua muito envolvido na investigação que fazemos, tem as melhores ideias da equipa, grande sensibilidade social e um espírito realmente inovador. E sobreviveu, recentemente, a um tumor no cérebro. Mas sou uma afortunada, tenho vários modelos a seguir, da minha avó paterna, que era uma força da natureza, aos participantes dos nossos estudos.

Vê-se a regressar a Portugal, nessa fase?

Sim, sem dúvida. Se não conseguir mais cedo, espero regressar quando me reformar. Tenho o sonho romântico de terminar os meus dias numa quinta com família, amigos e amigas e companheiros não humanos. Uma mistura da casa no campo da Elis Regina e da casa no campo da nossa Capicua. O meu marido é australiano, e pensei que talvez esses planos fossem problemáticos porque ele com certeza gostaria de regressar à Austrália. Mas é um apaixonado por Portugal e já me garantiu que partilhamos o mesmo sonho e o mesmo destino.

 

Assusta-a que a sua geração possa ter uma pensão inferior à dos pais?

Não é algo que me assuste directamente, porque acho que os sistemas de segurança social ainda podem ser sustentáveis. Assusta-me muito mais a ideia agora em voga de que as pessoas idosas apenas representam custos societários ou os discursos que alimentam conflitos de gerações. E ainda a apatia da nossa geração perante a precarização e o empobrecimento, a vários níveis, da sociedade portuguesa. E, claro, o visível desinvestimento científico dos últimos anos em Portugal.

Vamos ser idosos mais sós, pela alteração das estruturas familiares, ou construímos entretanto outras redes?

O isolamento social e a solidão das pessoas idosas é algo que já nos preocupa agora e eu tenho trabalhado nesta área aqui no Canadá. A nossa geração vai tornar-se idosa quando se projecta que o número de crianças será menor que o número de pessoas idosas da população global, o que sugere que teremos menos laços intergeracionais com a população mais jovem. Mas teremos possivelmente mais relacionamentos com a mesma geração, devido à crescente longevidade, e com a geração anterior. Acho que iremos criar outras redes. E um uso crítico das novas tecnologias, como da internet, pode ajudar a manter os nossos relacionamentos fortes, com familiares e amigos, laços fracos, como com conhecidos, e laços novos, como pessoas que conhecemos online.

Entrevista ao Jornal I

ANA TOMÁS em 23/05/2015 

 

É com orgulho de ter sido aluno da Professora Barbara Barbosa Neves no ISCSP que publico no Mar Revolto, esta entrevista reveladora de um enorme conhecimento científico sobre tão importante matéria social, como são o relacionamento com as novas tecnologias e a sua aprendizagem para a população idosa.

António de Lemos



publicado por António Lemos às 14:19
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