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Sábado, 2 de Dezembro de 2006
Na companhia do Mar

O dia ainda mal desponta, são 7.30h é Novembro, estou sozinho, hoje ninguém me acompanha. Saio a marina de Cascais, contorno a bóia do tubarão, (assim apelidada por ser parecida com a bóia utilizada no filme do Tubarão) a partir dai a muralha fica pelo estibordo do “Náutica”, por bombordo avisto algumas embarcações da pesca artesanal que levantam os covos, acelero e rapidamente ganho velocidade, no entanto a ondulação com cerca de 3m não me deixa passar dos 12 nós. Navego perto da costa, o farol de Santa Marta já vai ficando para trás, vislumbro alguns pescadores pendurados na falésia, tentam a sua sorte pois os sargos com a agitação marítima por vezes encostam e é altura de os tentar capturar.

Algumas gaivotas que se encontram pousadas na água levantam-se com indolência à minha passagem, voam junto de mim como que protestando por terem sido importunadas, aproximo-me da Boca do Inferno, é um local turístico, mas é também o pesqueiro mais utilizado de Cascais. Começo a trautear uma canção do Zeca, “Somos Filhos da Madrugada”, passo o Farol da Guia imponente lá no alto do seu pequeno promontório, é o segundo farol que mais gosto de ver quando regresso ao porto de Cascais, é o sinal de que a segurança já está perto. Aproximo-me do Cabo Raso, a agitação marítima piora um pouco, não é por acaso que os pescadores mais antigos de Cascais chamam à passagem junto ao Cabo Raso a “rua das amarguras”, aqui está o farol que mais gosto de ver quando regresso do mar – o Farol do Cabo Raso.

Abrando a navegação e aos poucos deixo o Raso para trás, vou em busca de um troféu, tenho fé numas beiradas que ficam a cerca de 8 milhas do Raso, ao longe avisto o Cabo da Roca com o seu imponente farol guardião do fim da Europa Continental, tal como escreveu Camões “Onde a terra acaba e o mar começa”.

A minha navegação baixou para os 10 nós, sou visitado pelos golfinhos que me acompanham durante algum tempo, são muitos, é digno de se ver, parecem uma escolta ladeando o barco e nadam mesmo junto ao costado da embarcação, sinto-me tentado a tocar-lhes mas isso implicava deixar os comandos da embarcação, e realmente a ondulação que se faz sentir não aconselha, desisto, fica para outra vez, ás vezes penso que eles já me conhecem, tantos são os dias que nos encontramos nos mesmos locais, são sem duvida os senhores deste pedaço de mar e eu gosto da sua companhia.

Já estou perto, mais 1 milha e é altura de abrandar a navegação e preparar as amostras, decidi tentar a sorte com as zagaias, quero bater os meus recordes, “quero” um pargo com mais de 8 kg, a ver vamos.

Cheguei, montei duas canas, trabalho com uma e tenho outra pronta para o que der e vier, começo a sondar o local, a ondulação e a corrente não ajudam muito, assim a deriva é mais difícil de controlar, tenho o rádio posicionado no canal 11, aguardo informações da meteorologia e do estado do mar, é sempre bom nesta altura saber com o que conto. Decido desligar o motor por momentos e “escutar” o silêncio do mar, é uma sensação maravilhosa, o vento que sopra de sudoeste é muito fraco, escuto apenas o roçar do mar no casco do “Náutica”, de repente ouço como que um sopro e reparo que 2 gansos patolas voam baixo e passam mesmo junto do barco. Durante algum tempo contemplo o horizonte, o céu coberto de nuvens cinzento claras, penso no enorme prazer que me dá estar ali no meio do mar, livre de tudo só com os meus pensamentos, debruço-me na amura do barco e com a mão em concha apanho um pouco de água, sinto a sua frescura, penso quanta vida está contida naquela pequena porção de água e quanta vida está contida na vastidão dos oceanos, sinto que faço parte dessa vida pois estou ali, naquele momento sinto que pertenço ali, pertenço ao mar. Repentinamente reparo que não muito longe um bando de aves mergulha freneticamente no mar, são Patolas que aproveitam o enorme cardume de sardinha que foi empurrado para a superfície por predadores e agora se banqueteiam. Dirijo-me para lá, sei por experiência própria que, por vezes, os peixes que se estão a alimentar desses cardumes são de boa qualidade e de bom peso. Rodeio toda aquela azáfama predadora e torno-me também predador, começo a zagaiar, ferro de imediato um peixe a poucos metros da superfície, dá luta mas não é o que pretendo, não é um troféu, embarco uma cavala que deve pesar quase 2 kg, volto a colocar a zagaia na água e de novo fisgo outro peixe, desta vez já sinto a adrenalina a soltar-se, o bicho é grande e luta bem, leva muita linha do carreto e a custo consigo travá-lo, deduzo que seja um atum “Bonito” (“Gaiado”), ao fim de uns longos 10 minutos consigo traze-lo para junto do barco e com a ajuda do chalavar embarco o peixe, é efectivamente um atum, calculo que tenha perto de 5 kg.

Volto a colocar a zagaia na água, não sem antes fazer algumas correcções de posição, acompanhando o frenesim das aves e dos peixes, e desta vez a zagaia desce mais fundo, perto dos 50m ferro um peixe, este é bom, luta como eu gosto, mergulha, corre, dá cabeçadas, umas vezes quase não consigo recuperar linha outras parece que fica leve como uma pena, é um pargo quase tenho a certeza e dos bons, ao fim de algum tempo chega finalmente junto do barco, está cansado e eu também, mais nervoso que cansado, mais uma vez com a ajuda do imprescindível chalavar lá embarco o peixe.

Entretanto, no decorrer do combate com este belo pargo o cardume afundou, a azafama parou, os peixes deixaram de mergulhar, o rádio quebra o silêncio e a rádio naval começa a transmitir a informação que aguardo, as noticias não são boas, está previsto o aumento do vento e consequentemente um agravamento do estado do mar para a tarde, a partir das 13 horas, são 10 horas da manhã, tenho menos de 3 horas para pescar se quiser regressar em segurança. Pensativo contemplo os montes da Serra de Sintra ao longe, a distância é grande, o farol do Raso não se vê, decido pescar mais duas horas e regressar por volta do meio-dia.

Dirijo-me então para uma beirada das minhas, vou devagar, há que sondar o fundo, e aí está o sinal de peixe grande, controlei o barco e zagaiei em cima, mas nada. Chego à zona pretendida e a sonda marca peixe no fundo, a zagaia desce e sobe uma, duas, três, quatro vezes e nada, estou a pescar a uma profundidade de 65m, corrijo a posição, controlo a deriva e desta vez a sonda acusa peixe grande, lá vai a zagaia, ainda não tinha chegado ao fundo e ferra um peixe, de inicio a linha ficou frouxa mas segundos depois a bobine do carreto não parava, a custo comecei a trazer o peixe, era dos bons, já tinha passado alguns minutos e peixe nem vê-lo, ora subia ora descia, já tinha recuperado muita linha e começava a considerar a hipótese de conseguir embarcar este peixe, mas quando menos espero algo correu mal, o peixe arrancou de novo, começou a levar linha e de repente não estava lá, a linha ficou frouxa e tudo terminou, o peixe foi-se e a zagaia também.

Para me recompor desta derrota desliguei o motor e fui reconfortar o estômago. As horas passavam, o vento começava a aumentar, já se notavam as alterações no mar, com alguma tristeza decidi regressar para mais perto do Raso, pois por vezes as corvinas andam por lá e como já tinha jantar, não perdia tudo. Acabei de comer e pus-me a caminho, em boa hora o fiz, ao chegar ao Raso o vento tinha aumentado sendo agora do quadrante sul e com rajadas que deviam ultrapassar os 20 nós. A tentativa de capturar uma corvina falhou devido à forte agitação marítima que já se fazia sentir no Cabo Raso. A jornada de pesca terminara, havia que regressar à marina, com vento de sul a navegação para Cascais não é fácil, devagar, não ultrapassando os 6 nós, dirigi-me para mais perto do cabo guiado pelo GPS, o Raso ficou pela alheta de bombordo, fiquei mais descansado quando me encontrei frente ao Farol da Guia, devagar e quase uma hora depois de ter chegado ao Cabo Raso contornei a bóia do Tubarão e entrei na Marina.

O dia terminou mais cedo, os meus peixes não são grandes troféus mas sinto-me satisfeito, estive no mar, estive onde gosto, onde me sinto bem, onde materializo as minhas aventuras. A incessante busca do grande troféu não vai parar, sem mar não sei viver, faz parte de mim, do meu ser, costumo dizer que de tanto respirar o mar já me corre água salgada nas veias. Amanhã se o mar quiser lá estarei de novo.

António Lemos



publicado por António Lemos às 20:30
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